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  • Foto do escritorGabriela Savóia

Um 7 de Setembro qualquer

Às vésperas do 7 de Setembro, inesperadamente, me peguei pensando no quanto gostava dessa data quando era criança.


Ah! Eram outros tempos.

Como filha de militar (hoje na reserva), passei minha infância toda e início da juventude morando em vilas militares, cercada de soldados fardados, ouvindo hinos de todo o tipo que, entoávamos com respeito e compromisso. Por conta da profissão de meu pai, vivíamos como andarilhos nos mudando de cidade a cada 4 anos.


Muitos desses lugares (a maioria) ficavam lá “onde Judas perdeu as botas” - essa distância da capital, em meados dos anos 80’, já denuncia o tipo de infância livre que tive, inclusive, de interesse pelo noticiário e tudo relacionado ao que extrapolava meu universo. Nesse tempo ainda havia ditadura, portanto as emissoras de TV somente noticiavam o que a censura permitia, além de seus próprios interesses.

As escolas seguiam cartilha implementada pelo governo militar: rigidez, disciplina e atenção às atividades esportivas. “Mente sã, corpo são”.


As datas cívicas eram comemoradas com pompa e envolvimento da população e da comunidade escolar sem poupar esforços. Todas as escolas, estaduais (onde estudei a vida toda praticamente) e particulares, se empenhavam em levar para as ruas um desfile de 7 de Setembro impecável, com direito à fanfarra, balizas que empunhavam seus bastões com ares de dignidade e orgulho e, por fim, o grande grupo de alunos que seguia, logo atrás desse abre alas sinfônico e bem ensaiado, com suas camisetas escolares e tênis conga nos pés.



A cada ano, as escolas traziam uma novidade: uma fanfarra maior, músicas diversas, porta bandeiras... Para mim, essa data tinha ares de intimidade. O fato de vivermos (minha família) com tamanha proximidade do trabalho de meu pai, acompanhando seu dia a dia e presenciando seu expediente disciplinado e rotineiro, fez surgir em mim a fantasia de que éramos (corporação e minha família) uma coisa única. Parecia que cada desfile era sobre meu pai e, portanto, sobre nós! (...Freud explica)

Tudo me encantava, desde a formação das escolas pela avenida principal das cidades, até observar a alegria das pessoas e a sensação de pertencimento que víamos estampados em seus rostos.


A postura dos soldados e o ritual realizado no momento do hasteamento da bandeira, fazia cair sobre o povaréu um silêncio e uma emoção indescritíveis. Eu achava tudo lindo! A bandeira, as pessoas, a festa, os ensaios e, principalmente, assistir ao desfile do Tiro de Guerra, afinal, esse era o ponto alto, não somente para mim, mas para todos que presenciavam esse momento tão republicano e que, em certa medida, nos fazia existir enquanto coletividade e civismo.

Houve, porém, um desfile em especial que marcou minha infância. No evento em particular, eu e meu irmão, além dos filhos de outros militares que residiam na mesma vila, tivemos a chance de compor, ao lado dos soldados, a ilustre comitiva do exército. Não consigo descrever a excitação que tomou conta de mim! Meu desejo era o de usar a farda verde oliva, mas acho que o item por mim tão desejado foi apenas destinado para os meninos (por que será????). Eles, por sua vez, além de usarem fardas e coturnos feitos exclusivamente para seus tamanhos, puderam abrir o cortejo em mini bugs, que algum patriota deveria ter emprestado à corporação.


Eu, por outro lado, tive a honra de ficar em cima de um caminhão, desses pau de arara, ao lado de soldados do pelotão. Imaginem, ficar em um espaço dominado por rapazes, em cima de um caminhão, podendo ver tudo, como se estivesse em um camarote privado? Foi a apoteose! Me senti a rainha do carnaval (evento igualmente importante para mim), sendo coroada diante dos olhos admirados de todos. Nunca vou me esquecer daquela sensação!


Hoje, penso com tristeza que não há mais espaço para eventos desse tipo. Não somente, porque os símbolos que representam nosso país foram catapultados por um governo que estimula o ufanismo a todo custo, a falta de crítica, a violência...Mas, sobretudo, porque apoia e dá espaço para as forças responsáveis por um dos eventos mais hediondos da história brasileira, a ditadura.

Evidentemente que, meu relato é fruto de ternas lembranças e, nutrido de muita fantasia e imaginação, dentro de um contexto e recorte específicos.


Há muito perdi a inocência e, com ela, foi-se o senso de pertencimento e a crença em heróis fantasiados de verde oliva!


Ontem, dia em que o país comemorava seu bicentenário da independência, não encontrei motivos para comemorações! Me sinto descolada e distante do sentido de nação e civismo e, com isso, meu senso de patriotismo vai enfraquecendo cada vez mais e se distanciando da crença de união fraterna que aquele 7 de Setembro deixou marcado em minha lembrança de criança.


Por fim, concluo que, apesar de tudo, terei sempre essa memória para recordar e, desejo que num futuro próximo, possamos fortalecer nossa história e reconstruímos o sentido de nação e civismo que nos foi tirado!


Conta aqui quais lembranças têm do 7 de Setembro?



Por Gabriela Savoia











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